segunda-feira, 23 de maio de 2016


A PEC 065/2012 e o mundo do faz de conta.



Em primeiro lugar, é preciso lembrar que o significado de PEC é Projeto de Emenda Constitucional e não Prometo Enterrar o Controle... É apenas uma coincidência que a proposição da emenda constitucional seja identificada pelas mesmas iniciais que prometo enterrar o controle. Toda e qualquer proposta de emenda constitucional é assim identificada: PEC. Isso não é uma peculiaridade da 065/2012...

O meio utilizado para a tentativa de introduzir a novidade da proibição de suspensão de obras após a licença ambiental no ordenamento jurídico nacional foi a emenda constitucional. Seus autores entenderam, talvez, que o melhor caminho para garantir de vez e de uma só vez que as chateações ambientais cessem para bem dos administradores públicos, das obras e da população em geral, seria introduzir, meter, enfiar a novidade na Constituição, na Lei Maior, na Magna Carta, para não restarem dúvidas ou chorumelas.

A proposta é de dezembro de 2012. Desafortunadamente, de 10 de dezembro de 2012. E agora foi aprovada na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania do Senado Federal, ficando prontinha para ir à Plenário, o que vem causando alguma indignação nos ecochatos de plantão.

Pois bem.

A ideia é acrescer um parágrafo ao artigo 225 da Constituição da República – único que se ocupa da questão ambiental nos 350 dispositivos do texto constitucional mais as disposições transitórias -, que seria o 7º, para dizer que:

“7º A apresentação do estudo prévio de impacto ambiental importa autorização para a execução da obra, que não poderá ser suspensa ou cancelada pelas mesmas razões a não ser em face de fato superveniente.”

É, porém, leviano condenar sem ouvir os argumentos da parte. Por isso, antes de qualquer coisa, o que precisamos fazer é conhecer a Exposição de Motivos da proposição. Como sentenciar que a proposta é ruim, sem conhecer os motivos que a originaram?

Vamos a eles.

Os Senadores da República signatários da PEC 065/2012 justificam o acréscimo do parágrafo 7º ao artigo 225 da Constituição da República em razão de entenderem que uma das maiores dificuldades da Administração Pública brasileira, e, também uma das razões principais para o seu desprestígio, que se revela à sociedade como manifestação pública de ineficiência, consiste nas obras inacabadas ou nas obras ou ações que se iniciam e são a seguir interrompidas mediante decisão judicial de natureza cautelar ou liminar, resultantes, muitas vezes, de ações judiciais protelatórias, aduzindo que, como Senadores, ouvem, diuturnamente, reclamações de prefeitos municipais, governadores de estados e mesmo representantes do Poder Executivo federal no sentido de que uma obra fundamental para atender às necessidades da sociedade brasileira se encontra paralisada por muito tempo, resultando muitas vezes em severo prejuízo para a prestação de serviços públicos fundamentais, como educação e saúde, como também em obras importantes para a sociedade, como pontes e rodovias.

Com a proibição constitucional de suspensão ou cancelamento de obras, os signatários da proposta entendem que muito tempo e desperdício de recursos públicos vultosos serão poupados, bem como se estará dando concretude à vontade da população, à soberania popular, que consagrara, em urnas, um programa de governo, e com ele, suas obras e ações essenciais.

Dizem os Senadores:

“Um chefe de Poder Executivo, como um prefeito municipal, tem quatro anos de mandato. Caso não consiga tornar ágeis as gestões administrativas respectivas, inclusive as licitações, licenças ambientais e demais requisitos para a realização de uma obra pública de vulto, encerrará o seu mandato sem conseguir realizar as medidas que preconizara em seu programa de governo, por maior que seja a boa vontade que o anima.

Pior do que isso: muitas vezes chega a iniciar a obra, mas a conclusão é frustrada por uma decisão judicial que, não raro, resulta da inquietude da oposição diante dos possíveis efeitos positivos, junto à cidadania, de uma dada obra pública. Tudo isso ocorre em flagrante prejuízo não ao prefeito ou à prefeitura, apenas, mas para todos os habitantes do lugar. Ademais disso, é sabidamente custoso manter uma obra pública paralisada, e esses custos são muito mais do que financeiros, pois até mesmo a democracia e a representação são desgastadas quando estamos diante de quadros dessa natureza.” 

A exposição de motivos a isso se limita, encerrando-se, na sequência, preconizando que a proposta assegurará que uma obra uma vez iniciada, após a concessão da licença ambiental e demais exigências legais, não poderá ser suspensa ou cancelada senão em face de fatos novos, supervenientes à situação que existia quando elaborados e publicados os estudos a que se refere a Carta Magna.

Arrematam o documento dizendo estarem convencidos de que a adoção desta medida contribuirá para a afirmação dos mais respeitáveis princípios da administração pública, a eficiência e a economicidade inclusive.

Pois bem.

Apresentada uma proposta legislativa, o projeto de lei deve ser submetido à apreciação de comissões competentes para se pronunciarem sobre o mérito; à Comissão de Finanças e Tributação, quando estiverem envolvidos aspectos financeiros e orçamentários públicos; à Comissão de Constituição, Justiça e de Cidadania, em qualquer caso, para o exame de constitucionalidade, juridicidade e técnica legislativa, bem como para a adequação da redação, quando necessário.

No presente caso, a PEC 065/2012 foi encaminhada apenas à Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania, embora a matéria seja de natureza ambiental, a Comissão de Meio Ambiente do Senado não foi ouvida.

E o que a Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania do Senado achou da PEC 065/2012? Vamos ao seu parecer.

No relatório do parecer está que a proposta visa “assegurar a continuidade de obra pública após a concessão da licença ambiental (...) para garantir a celeridade e a economia de recursos em obras públicas sujeitas ao licenciamento ambiental, ao impossibilitar a suspensão ou cancelamento de sua execução após a concessão da licença.”

A análise da Comissão deve ser feita em duas vertentes: quanto à admissibilidade e quanto ao mérito.

Em relação à admissibilidade, a Comissão considerou que todos os aspectos formais para o processamento de um projeto de emenda à Constituição estavam atendidos.

No mérito, a Comissão considerou que “efetivamente, trata-se de proposta que visa garantir segurança jurídica à execução das obras públicas, quando sujeitas ao licenciamento ambiental”, pois é “certo é que há casos em que ocorrem interrupções de obras essenciais ao desenvolvimento nacional e estratégicas ao País em razão de decisões judiciais de natureza cautelar ou liminar, muitas vezes protelatórias.”

Na visão da Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania, “claramente se pode observar que a proposta não objetiva afastar a exigência do licenciamento ambiental ou da apresentação de um de seus principais instrumentos de avaliação de impacto, o EIA” e considera que a proposta em nada afeta “o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado e consagra princípios constitucionais da administração pública, como a eficiência e a economicidade” e, por tais motivos, votam pela aprovação da matéria, registrando, inclusive, o Senador João Capiberibe, relator, que o projeto não só atendia à constitucionalidade e juridicidade, mas, também, à boa técnica legislativa.

Agora que já conhecemos a motivação dos autores e a posição daqueles a quem cabe velar pela constitucionalidade, juridicidade e boa técnica podemos comentar.

Alteração legislativa de tal vulto, como é a PEC 056/2012, deve ter robusta justificativa. O motivo do desagrado dos ocupantes de cargos executivos e o apontamento vago do interesse público, de modo genérico, sem dados que demonstrem, efetivamente, o problema, revela-se insuficiente.

É certo que o primeiro signatário da proposta, Senador Acir Gurgacz (PDT-GO), ao defendê-lo em Plenário no dia 20/05/2016, sexta-feira passada, apontou que, segundo levantamento da consultoria legislativa, até junho do ano passado, havia 12 usinas hidrelétricas e 1 usina nuclear com obras paradas por conta de pendências de licenciamento ambiental. Na mesma situação se encontram 26 obras de linhas de transmissão de energia elétrica, 10 obras de ferrovias, 20 obras de rodovias federais, 6 parques eólicos, 14 empreendimentos de mineração, 6 gasodutos, e pelo menos outros 16 empreendimentos de infraestrutura sob responsabilidade do governo federal paradas por conta de entraves ambientais.

Mas esses dados, ao que parece, não atendem ao rigor estatístico e citam, como visto, pendências nos licenciamentos. Não foram mostrados números sobre relação entre ordens judiciais e paralisação de obras.

Segundo a Agência Senado, o Senador Gurgacz ressaltou que o objetivo da PEC está sendo erroneamente interpretado por ONGs ambientalistas e pelo Ministério Público, pois ela pretende apenas impedir que se interrompam as obras que já tenham a licença ambiental concedida  e não acabar com a necessidade de licenciamento ambiental. Nas palavras do Senador, “a questão não é flexibilizar e deixar menos rígidos os controles. É preciso tornar os controles racionais sem descuidar da legalidade. Para isso, os marcos legais precisam ser revisados para desatar o nó burocrático.

Bem, dois aspectos saltam aos olhos.

O primeiro se refere ao que foi considerado boa técnica legislativa.

A motivação cita obras públicas e a proibição de sua suspensão ou cancelamento após o licenciamento ambiental.

Mas, porém, no entanto, todavia, contudo, o texto proposto fala mais que isso. Vamos retomá-lo: “A apresentação do estudo prévio de impacto ambiental importa autorização para a execução da obra, que não poderá ser suspensa ou cancelada pelas mesmas razões a não ser em face de fato superveniente.”

O que está escrito é que: i. a apresentação  do EIA importa autorização, ou seja, a simples apresentação do estudo resulta, tem como consequência a autorização. Esse o significado de importar no contexto da frase. Do modo como está escrito, cria direito para o interessado de obter a autorização com a simples apresentação do estudo; ii. execução da obra e só... não se refere ao caráter público da obra, portanto, aplica-se às obras privadas também, já que o texto não limita; iii. pelas mesmas razões, levando à situação de que nenhuma obra poderá ser suspensa por razões de natureza ambiental. E a Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania não viu que o que está escrito é diferente do que é pretendido.

É perceptível, portanto, que os receios das ONGs ambientalistas e do MP são fundados: a partir daí, toda e qualquer obra no país obterá a autorização ambiental mediante a simples apresentação de um estudo e não poderá ser suspensa ou cancelada em razão de questões ambientais. É o que está escrito. Prometo enterrar o controle...

Não existe boa técnica legislativa se o texto diz coisa diferente do que é a justificativa do projeto.

O segundo aspecto, se refere ao mérito da proposição.

Por meio de um singelo levantamento, chegou-se à conclusão que há obras públicas demais paradas no país em razão de pendências ambientais. Mas, qual a representação estatística disso? Além do mais, a exposição de motivos generaliza as decisões judiciais de paralisação classificando-as de meramente protelatórias, frutos da inquietude da oposição diante dos possíveis efeitos positivos, junto à cidadania.

Ora, onde o levantamento estatístico desse dado? Estaria o Judiciário nacional submetido, sem nenhum critério, aos desgostos da oposição? Ou seja, os pedidos de paralisação de obras são atendidos pelo Judiciário baseados em simples insatisfação política da oposição, vazios de argumentos técnicos a embasá-los? Que feitiço seria esse que obscureceria a visão dos magistrados brasileiros a ponto de atenderem, sem qualquer critério, aos caprichosos de uma oposição desditosa?

Se pensarmos bem, a emenda inclusive atenta contra o sistema de freios e contrapesos das funções do Estado. Há um problema reiterado enfrentado pelo Executivo? Suprima-se a atuação do Judiciário sobre ele e ele desaparece, como que por encanto!

A questão, na verdade, é outra. O Senado se manteve na superfície do problema.

Ah, sim, porque, de fato, há um problema. Mas não é esse identificado pelo Senado: que as obras públicas ficam paradas, acumulando prejuízos, porque o Judiciário crente, ingênuo, incauto, atende à vontade da oposição, travestida em entraves ambientais, de emperrar a vida dos Chefes do Executivo, para deixa-los mal com a população.

O problema revelado pela situação exposta é de maior profundidade... Não é a oposição, nem o Judiciário, nem os “nós burocráticos” dos marcos legais ambientais que levam a ela: é falta de planejamento adequado e efetividade nos estudos.

Também eu, como o Senado, não tenho dados em mãos. Mas, se uma PEC pode ser considerada sem eles, um breve comentário não deverá ser desconsiderado por esse motivo, até porque muito mais inofensivo do que uma alteração na Constituição. Porém, invoco fatos de conhecimento geral a favor da minha tese, como, por todos, o desastre de Mariana, para demonstrar que, via de regra, os estudos apresentados são falhos, deficientes. Não vou entrar aqui na questão se isso acontece dolosa ou culposamente, pois, de fato, não vem ao caso. O caso é que os estudos são insuficientes e as autoridades ambientais, por uma série de circunstâncias que também não há espaço para comentar aqui, se contentam com o cumprimento meramente formal de exigências. E o meio ambiente não está sujeito a formalidades. O meio ambiente, por mais que isso nos desagrade e seja uma grande descortesia de sua parte, não está nem aí para as formalidades humanas.

O que acontece, então, é que aqueles que têm por missão a proteção ambiental, ONGs e MP, não se contentam com a formalidade: precisam da efetividade e vão ao Judiciário buscá-la. Vemos isso acontecer cotidianamente.

Se a ideia é fazer com que as obras iniciadas não parem e economizar recursos, a única forma de garantir isso é que os estudos levem em conta a realidade e deixem de tentar construir artificialidades para obter aprovação que não se sustenta.

O problema, então, na verdade, é que não estamos realizando os estudos de modo competente. Esse é o problema e é a ele que nossos esforços e recursos têm que se voltar.

É trabalhoso lidar com isso. Mexe com uma cultura instalada. Mas, é mais uma daquelas situações nas quais – parafraseando J.K. Rolling – “temos que escolher entre o certo e o fácil”...

Proibir o Judiciário de suspender obras por razões ambientais depois de obtido o licenciamento (que passará a ser conseguido mediante a mera apresentação do estudo, segundo a PEC), é tratar a febre do paciente com pneumonia e só.

A PEC se ocupa de um sintoma e não da doença em si...

O que atende aos princípios constitucionais da eficiência e economicidade é que a proposição de obras seja realista, que os estudos sejam efetivos, de tal forma que, uma vez obtida a autorização, ela também seja efetiva. Não restarão arestas a serem aparadas pelo Judiciário.

A questão ambiental é de interesse geral. Nenhuma obra, seja privada ou pública – especialmente a pública – está acima da avaliação dos impactos ambientais. O contido na exposição de motivos e no pronunciamento do Senador em Plenário reforça aquilo que já sabemos: as normas ambientais que devem ser vistas como normas de caráter difuso e protetivas da vida presente e futura, asseguradoras de boa parte da dignidade humana, são encaradas como meras formalidades que podem ser mudadas ao desejo humano o que é, logicamente, um erro, tendo em vista que não lida com grandezas humanas.

Gostemos ou não, há alguns limites da natureza que se impõem a nós e a eles devemos nos submeter.

Isso implica em que não podemos mais agir nos espaços que ocupamos? Não. Isso significa dizer que para intervir nos espaços que ocupamos devemos considerar os limites físicos, químicos, biológicos e usar a ciência para buscar formas de intervir com o mais baixo impacto possível. De verdade, não de faz de conta.

O acidente de Mariana, cuja lama nem endureceu de todo ainda, é, para nós, humanos, um choque de realidade. E essa realidade não é sensível a formalidades e nós burocráticos. Delírio coletivo nosso se enxergamos diferente disso. O colírio de Mariana parece não ter tido efeito, ainda.

Nesse caso da PEC 065, a questão ambiental é encarada de maneira tão exclusivamente formal que sequer se considerou que tivesse que passar pela Comissão de Meio Ambiente. Ou seja: não é a questão ambiental; é a questão meramente formal.

A proposta, portanto, que, aparentemente é bastante singela, inofensiva e benéfica para toda a sociedade, traz embutido um grande potencial de desmantelamento do sistema de controle ambiental prévio. Tão inofensiva como um filhote de leão, cinco anos depois.

“Não se concebe que um ato normativo de qualquer natureza seja redigido de forma obscura, que dificulte ou impossibilite sua compreensão. A transparência do sentido dos atos normativos, bem como sua inteligibilidade, são requisitos do próprio Estado de Direito”. É o que diz o Manual de Redação da Presidência da República.

Será mais um caso de dar “Melhoral” para um doente com infecção galopante...


quarta-feira, 16 de março de 2016

SABE COM QUEM ESTÁ FALANDO???

“SABE COM QUEM ESTÁ FALANDO?”

Essa é mais uma daquelas que costumo classificar como “história de encantar brasileiro”...

Em um momento em que toda a nação aguarda se os próximos passos do governo federal passarão pela chicana de criar ou atribuir um Ministério de Estado a um ex-presidente da República, em afronta ao princípio da impessoalidade – entre outros, a desafiar novas medidas judiciais por parte do Ministério Público ou mesmo de cidadãos em ação popular, foi noticiada ontem uma conduta similar do prefeito do Rio de Janeiro.
A similaridade está no fato de que os gestores públicos no país são, em geral, despreparados para a função, pessoalizando e subjetivando seus atos, sem noção de que encarnam uma instituição, que é maior que as pessoas que ocupam os cargos administrativos.
Há poucos dias, compartilhei a lição do Professor Vladimir Passos, que se encerrava da seguinte forma: "Assim, os administradores, seja qual for o nível ou o Poder de Estado a que pertençam, devem se acautelar na condução de seus atos, pois, em boa hora, ficou para trás o tempo do ‘manda quem pode, obedece quem tem juízo’”.
Matéria publicada no jornal O Estado de São Paulo, relata que o filho de 11 anos de idade do prefeito do Rio de Janeiro, senhor Eduardo Paes, necessitou de atendimento médico após um acidente em uma partida de hóquei. Encontrando fila de espera muito grande em um hospital particular, o senhor prefeito teria orientado a senhora primeira-dama a encaminhar-se para um hospital público municipal, na Barra da Tijuca, para onde também se dirigiu a citada autoridade. A partir daí, o jornal relata que testemunhas presentes afirmam que o prefeito teria se queixado da demora no atendimento com a médica, que solicitou documentos para a abertura do prontuário. Nesse momento, o prefeito teria, segundo o noticiado, sacado o velho e ultrapassado você sabe com quem está falando??? Tendo ele mesmo respondido: Sou seu patrão! O que iniciou um bate-boca, que resultou com uma profissional chorando e populares saindo em sua defesa, pois “a médica estava atendendo uma senhora idosa e pediu que o prefeito esperasse um minutinho”. A intervenção dos populares fez com que o prefeito se afastasse e não fosse mais visto.
Indagado sobre os fatos, no dia seguinte, em um compromisso público, afirmou que apenas havia dito para a médica que “ela tinha de ter uma postura de mais atenção; que ela não dá atenção aos pacientes e isso eu não vou aceitar na minha rede.” E disse que iria reclamar da médica como cidadão e como patrão.
Bem, sem contar o retrógrado, ultrapassado, piegas e ilegal você sabe com quem está falando? (isso me lembra uma fala do Prof. Cortella...), onde estão os sintomas do despreparo do administrador público, que se repete por esse Brasil a fora, nos três níveis de governo? Na apropriação do status de patrão pelo administrador público. Nenhum chefe do executivo é patrão de ninguém. Pode ser chefe. Mas o patrão do servidor público é o ente público que o contrata, no caso, o município do Rio de Janeiro, representado pelo prefeito, é claro. Mas município e chefe do executivo municipal não se confundem. O município fica, o prefeito passa.
E a rede de saúde pública também não pode ser entendida como minha rede pelo administrador, porque, é claro, não lhe pertence...
O administrador público anda muito esquecido dos deveres mais básicos que a lei lhe impõe: oportunidade e conveniência do ato para a coletividade. Todo ato administrativo deve ser motivado. Existe um folclore de que se o ato é discricionário, o administrador pode fazer o que bem entender... ledo engano. Uma aula rápida e básica de direito administrativo resolve isso em dois tempos. Mesmos os atos discricionários encontram limite na lei. O poder discricionário apenas dá ao administrador o poder de escolher entre opções já listadas pela lei – e não tirar qualquer coisa da cartola! – e, nesse caso, tem que motivar porque escolheu a que escolheu em detrimento das demais, demonstrando a oportunidade e a conveniência de sua decisão a bem da coletividade.
É claro que a conduta do prefeito não configura a prática de nenhum ato administrativo. Estava no hospital em caráter pessoal e não funcional. Mas sua reação e suas palavras, se verdadeiras, mostram como se passam essas confusões, inaceitáveis nos dias de hoje, na cabeça de muitos administradores.
Depois se queixam de que o Ministério Público não os deixa trabalhar...
Como professora de direito, fico fazendo o mea culpa: como estamos preparando os profissionais que vão para as procuradorias municipais, em especial?



segunda-feira, 27 de janeiro de 2014

NOÇÕES SOBRE ASPECTOS JURÍDICOS DA AVALIAÇÃO DE IMPACTO AMBIENTAL


NOÇÕES SOBRE ASPECTOS JURÍDICOS DA AVALIAÇÃO DE IMPACTO AMBIENTAL

WILGES BRUSCATO[1]
 

            Para bem compreender a interferência do direito no exercício de atividades ou em obras, no sentido de fazer exigências sob o aspecto ambiental, será proveitoso, antes do mais, situar o direito e contextualizar tais exigências.

            O homem é um ser gregário, ou seja, que vive em grupo. A existência humana se realiza na convivência com outros de sua espécie. Todavia, tão óbvia quanto essa afirmação, é o fato de que, embora precisemos uns dos outros para viver, onde há gente, há conflito de interesses. Por isso, a humanidade criou e vem aperfeiçoando ao longo do tempo, mecanismos para evitar e, quando isso não é possível, solucionar os conflitos.

            Desse modo, todo grupo humano, para que a convivência seja viável e harmônica, tem regras que determinam, em alguma medida, o comportamento das pessoas. Há regras que proíbem alguns comportamentos e outras que determinam como proceder em casos de comportamentos permitidos, impondo limites ao agir individual, a bem da coletividade.

            O conjunto de normas que rege uma sociedade e a forma de elaboração e aplicação dessas normas, sempre com vistas a proporcionar harmonia social e o cumprimento de valores importantes, forma o que chamamos de direito.

            Fica esclarecido, desde agora, então, que o direito não se resume a leis. Pensar o direito como conjunto de leis é uma ideia incompleta. As leis integram o direito, mas o direito não se resume a elas. Além das leis, o direito usa princípios, usos e costumes, doutrina, jurisprudência e normas expedidas pelos mais diversos entes estatais (decretos, instruções normativas, portarias, normas regulamentadoras etc.).

            O direito é uma construção milenar e universal. Todos os povos têm o seu direito.

            O direito existe para servir ao homem e à sociedade. Porém, algumas vezes, temos a impressão de que há uma inversão nos termos dessa afirmativa. O direito interfere tanto e de tantas maneiras na vida das pessoas, empresas e instituições nas sociedades contemporâneas, que a sensação é a de que servirmos o direito.

            Isso se dá, em parte, porque a própria vida de hoje se tornou tão especializada e complexa, que obriga o direito a se diversificar e estabelecer padrões de conduta em todos os setores da vida, porque onde há gente, há conflito e é preciso evitá-los ou solucioná-los. Mas, uma boa dose disso se deve à forma como produzimos o direito em nosso país. Nossa produção legislativa é profusa e confusa. Além disso, o nível educacional do nosso povo ainda exige que o Estado discipline muitas coisas que as pessoas poderiam voluntariamente atender, por questão de bom senso ou lógica. Como isso não acontece, o direito tem que exercer uma função disciplinadora abrangente e detalhada, fazendo exigências, proibindo determinadas condutas ou prevendo sanções, penas, castigos, para os que agirem de forma a atingir a paz social de maneira mais grave.

            Percebe-se, então, que é a sociedade quem determina ao direito os assuntos dos quais deve se ocupar.

            Toda sociedade tem uma estrutura de organização social a cargo da qual ficam as questões administrativas da vida em coletividade, de tal forma que os indivíduos fiquem livres para se ocupar de seus interesses imediatos, delegando a pessoas selecionadas as tarefas de conduzir os assuntos de interesse geral e tomar as providências necessárias para que as sociedades funcionem. A isso denominamos governo.

            Os países, na atualidade, se organizam na forma de Estados: um povo fixado em um território determinado e reconhecido, com estrutura de poder organizando-o administrativamente.

            No Brasil, esse poder estatal é dividido em três funções: a legislativa, a executiva e a judiciária, todas representando os interesses do povo. Assim, cabe, preponderantemente, ao poder legislativo a função de identificar as situações que precisam de regras e elaborar as respectivas leis, por um processo legislativo previamente determinado e conhecido (estabelecido também através de lei...). Ao poder executivo, cabe a administração propriamente dita, ou seja, a aplicação das leis aos próprios administradores (que ficam vinculados à lei) e na imposição aos particulares. E, quando as coisas não funcionam do modo como a sociedade estabeleceu nas leis (através do legislativo), existindo perturbações da harmonia social (conflitos de interesses, entre particulares, entre órgãos do Estado e particulares ou entre órgãos do Estado entre si), é o poder judiciário que tem a função de conhecer o conflito e dizer quem está com a razão, segundo a lei (jurisdição, dizer o direito).

            Como o território brasileiro é muito grande, ficaria inviável que as funções do Estado (legislativa, executiva e judiciária) fossem centralizadas em uma única esfera de atuação, em nível nacional. Por isso, elas são organizadas em três níveis: federal (todo o território brasileiro; administração superior), estadual (divisão do território nacional em porções menores; administração regional) e municipal (subdivisão do território estadual em porções menores ainda; administração local).

            O poder legislativo, então, funciona em três esferas:

·         Federal – Congresso Nacional (Senado e Câmara dos Deputados) – Brasília;
·         Estadual – Assembleias Legislativas – capital de cada estado;
·         Municipal – Câmara de Vereadores – em cada município brasileiro.

O poder executivo se organiza também nas três esferas de governo:

·         Federal – Presidência da República
·         Estadual – Governos dos Estados
·         Municipal – Prefeituras

O poder judiciário, diferentemente, se organiza em dois níveis

·         Federal – Justiça Federal (dividida em regiões, com atendimento nas principais cidades) e Tribunais Superiores (Brasília)
·         Estadual – Tribunais de Justiça dos Estados (com atendimento em municípios-comarcas e capitais dos estados)

            Nesse contexto, identificando a sociedade que a degradação ambiental tornou-se um problema que ameaça, em médio ou longo prazo, não só a paz social, mas põe em risco a própria existência humana no planeta, foi necessário que o direito passasse a se ocupar da questão ambiental, para procurar direcionar as ações humanas no sentido de não trazerem prejuízo ambiental, que pode culminar com o extermínio da vida humana.

            Assim, a partir do século passado, pessoas passaram a se dedicar a construir um complexo de normas com o objetivo de preservar o ambiente. A essa especialidade do direito chamamos direito ambiental.

            O direito ambiental está longe de ser um campo pronto e concluído do direito (aliás, uma das características do direito, em todos os seus ramos, é o dinamismo... não há direito acabado): é uma área nova e em franca construção.

            Discute-se, por exemplo, se o direito ambiental deve ter orientação antropocêntrica, biocêntrica ou ecocêntrica. Quanto a isso, embora o esforço no sentido de valorizar a vida pela vida, em qualquer forma, a verdade é, que no presente estágio da humanidade, toda proteção é pensada com o objetivo de preservar a vida humana. Ou seja, as demais espécies de vida são vistas como o necessário suporte á vida humana, numa visão antropocêntrica, tendo o homem como o centro dessa proteção ou tutela. Considerando que o direito é criação humana, dirigida a humanos, existe grande dificuldade de se sustentar a visão biocêntrica, que põe a vida como centro de interesse, sem hierarquia entre espécies. O ideal é que se caminhe, no futuro, para o ecocentrismo, ou seja, para que o homem se veja, sinta e considere como parte integrante da natureza e a proteção se dê como um todo. A enorme multiplicidade de artefatos e bens de vida criados pelo homem ao longo do tempo e incorporado ao modus vivendi humano acabou por nos distanciar da nossa própria natureza, enquanto elemento natural que somos. Por isso temos a impressão que, nas circunstâncias atuais, homens estão de um lado e natureza de outro... o que não é real. De toda forma, ainda por muito tempo, teremos a proteção jurídica do ambiente com base antropocentrista.

            O direito ambiental atua, em nosso país, por meio de leis (Constituição da República, leis ordinárias, tratados internacionais ratificados, Constituições Estaduais, leis estaduais, Leis Orgânicas dos municípios e leis municipais), de regras expedidas pelo poder executivo nas três esferas, de princípios, da jurisprudência (interpretação reiterada dos tribunais da aplicação da lei em situações concretas) e da doutrina (ponderações feitas pelos especialistas).

            Como no caso do direito ambiental, a nossa Constituição da República (lei hierarquicamente superior a todas as demais) diz que as três esferas do legislativo podem elaborar leis a respeito da proteção dos recursos ambientais (união, estados e distrito federal em competência concorrente; municípios, quando caracteriza como interesse local) e a administração e fiscalização dos assuntos ambientais é repartida entre as três esferas do poder executivo, temos um enorme arsenal de leis e regras ambientais em nosso país.

            Isso obriga que os profissionais que trabalhem em atividades que possam representar ameaça a saúde dos recursos ambientais (naturais ou artificiais) conheçam as diversas normas aplicáveis, para dar andamento à atividade ou obra dentro do que elas exigem, sob pena de sofrerem penalidades, que podem ir, desde a advertência, até o cerceamento de liberdades.

            No geral, as empresas, instituições ou órgãos do poder público possuem assessoria jurídica especializada para essa finalidade de dar suporte aos profissionais. No entanto, é extremamente recomendável que os profissionais que não possuam formação jurídica tenham noções claras sobre o que seja e como atua o direito ambiental, para poder, não só conduzir seus atos de maneira mais apropriada, mas, também, dialogar com os profissionais da área jurídica.

            Essa capacidade é altamente valorizada no mercado de trabalho.

            Falar em direito ambiental no Brasil, obriga mencionar o artigo 225 da Constituição da República, único a tratar da questão ambiental na magna carta.

            Embora não seja possível esgotar o levantamento de todas as normas ambientais vigentes no país (considerando as três esferas e os três poderes), algumas leis se destacam e devem ser reconhecidas pelos profissionais que se envolvam em questões ambientais.

            A primeira delas é a lei nº 6.938/1981 – Lei da Política Nacional do Meio Ambiente (PNMA), cujo objetivo é “a preservação, melhoria e recuperação da qualidade ambiental propícia à vida, visando assegurar, no País, condições ao desenvolvimento sócio-econômico, aos interesses da segurança nacional e à proteção da dignidade da vida humana.” É importante porque dela derivam os instrumentos de controle, fiscalização e prevenção da política ambiental.

            Nela é que se prevê a avaliação de impactos (art. 9º, III) e o licenciamento ambiental (art. 9º, IV), mecanismos mais importantes da política ambiental brasileira, na medida em que é a que está mais próxima do cotidiano das pessoas.

            Também na lei nº 6.938/1981 é criado o SISNAMA: Sistema Nacional de Meio Ambiente, que tem estreita ligação com o procedimento de licenciamento e análise dos estudos de impacto. O SISNAMA é o conjunto de órgãos responsáveis pela proteção e melhoria da qualidade ambiental no país. Sua organização envolve órgãos das três esferas de governo: federal, estadual (e distrital) e municipal, abrangendo órgãos da administração direta e indireta (poder executivo).

            O SISNAMA está hierarquicamente organizado da seguinte maneira:

·         I - órgão superior: o Conselho de Governo, com a função de assessorar o Presidente da República na formulação da política nacional e nas diretrizes governamentais para o meio ambiente e os recursos ambientais;

·         II - órgão consultivo e deliberativo: o Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA), com a finalidade de assessorar, estudar e propor ao Conselho de Governo, diretrizes de políticas governamentais para o meio ambiente e os recursos naturais e deliberar, no âmbito de sua competência, sobre normas e padrões compatíveis com o meio ambiente ecologicamente equilibrado e essencial à sadia qualidade de vida;

·         III - órgão central: a Secretaria do Meio Ambiente da Presidência da República, com a finalidade de planejar, coordenar, supervisionar e controlar, como órgão federal, a política nacional e as diretrizes governamentais fixadas para o meio ambiente;

·         IV - órgãos executores: o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis - IBAMA e o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade - Instituto Chico Mendes, com a finalidade de executar e fazer executar a política e as diretrizes governamentais fixadas para o meio ambiente, de acordo com as respectivas competências;

·         V - Órgãos Seccionais: os órgãos ou entidades estaduais responsáveis pela execução de programas, projetos e pelo controle e fiscalização de atividades capazes de provocar a degradação ambiental;

·         VI - Órgãos Locais: os órgãos ou entidades municipais, responsáveis pelo controle e fiscalização dessas atividades, nas suas respectivas jurisdições.


            Os órgãos hierarquicamente inferiores devem observar as normas superiores para estabelecer suas próprias normas. Os órgãos federais estabelecem normas de caráter geral; os estaduais, de caráter regional e os municipais, de interesse local.

            O modelo federal é replicado nos estados e nos municípios: há sempre um órgão ligado ao governo do estado (secretaria de meio ambiente) ou à prefeitura (diretoria de meio ambiente), um conselho estadual ou municipal e um órgão executor (geralmente em modelo de empresa pública ou autarquia; administração pública indireta). Toda essa estrutura deve ser criada por lei estadual ou municipal, conforme o caso. Nem todos os estados brasileiros estão aparelhados nesse sentido e poucos são os municípios que já tem essa estrutura.

            Os responsáveis por ações potencialmente degradadoras (Resolução CONAMA nº 237/1997) devem providenciar a autorização para acontecerem, sejam obras ou atividades. Registre-se: a autorização (licenciamento) deve preceder a ação. Iniciar atividade ou obra potencialmente degradadora sem o licenciamento é crime previsto na lei nº 9.605/1998, artigo 60. Essa é a outra lei importante na esfera ambiental: a dos Crimes Ambientais. Além disso, devem também se cadastrar no IBAMA (IN IBAMA nº 31/2009).

            Como a competência (atribuição legal para fazer ou exigir alguma coisa) material ou administrativa é comum às três esferas de governo (CR, art. 23), foi preciso repartir em lei a competência para o licenciamento e fiscalização ambiental.

            Isso está disciplinado na Lei Complementar nº 140/2011, que, praticamente, repetiu o que vinha sendo praticado em razão da Resolução CONAMA nº 237/1997, já citada.

            Então, o que determina, via de regra se o ente licenciador é federal, estadual ou municipal é a abrangência dos efeitos da ação potencialmente degradadora (poluidora ou utilizadora de recursos naturais).

Assim, se os efeitos são apenas locais, a vocação natural para licenciar seria do município; se abrange o território de dois ou mais municípios no mesmo estado, a competência seria do órgão estadual (ver tabela abaixo) e se os efeitos repercutirem no território de dois ou mais estados da federação, a competência é do órgão federal (IBAMA/Instituto Chico Mendes).

Na sistemática atual, o órgão licenciador por excelência, é o estadual.

As exceções ficam por conta de atribuição específica de competência ao órgão federal (IBAMA Instituto Chico Mendes) ou da remissão dos conselhos estaduais em favor dos órgãos municipais.

Vejamos:

São competência dos órgãos federais:

·         Atividades/obras em região de fronteira do país;
·         Atividades/obras cujos efeitos se estendam aos territórios de mais de um estado brasileiro;
·         Atividades/obras em mar territorial, plataforma continental ou zona econômica exclusiva;
·         Atividades/obras em terras indígenas;
·         Atividades/obras em unidades de conservação da União (exceto APAs);
·         Atividades/obras de caráter militar;
·        Atividades/obras que envolvam energia nuclear;
·         Tipologia estabelecida por ato do Poder Executivo (CONAMA);
·        Quando Estado não tiver estrutura administrativa para o licenciamento (secretaria/conselho/órgão capacitado).

Em todos esses casos, então, por ressalva expressa de norma, o órgão licenciador é o federal.

Ficará a cargo dos municípios o licenciamento das atividades ou obras que a estrutura do governo do estado (conselho estadual) deliberar que sejam competência dos municípios.

A lógica é a seguinte: tudo aquilo que não for competência expressa do órgão federal, será competência dos estados. Esses, por sua vez, poderão repartir sua competência com os municípios, estabelecendo em resolução dos conselhos estaduais o que vai ficar a cargo da estrutura municipal.

Na atualidade, nenhum conselho estadual disciplinou a questão, em cumprimento à lei complementar 140/2011.

Assim, há uma espécie de limbo ou vácuo na repartição da competência comum entre estados e municípios, em razão da inércia dos órgãos estaduais responsáveis por disciplinar a questão. Isso faz com que ou o município não tenha competência para licenciar nada na atualidade ou tenha competência para licenciar tudo o que o estado pode licenciar.

Na prática, a maioria dos municípios, como não tem estrutura para o licencimento, descansa na competência genérica do estado. Alguns chegam mesmo a fazer convênios com os órgãos licenciadores estaduais, para que estes conduzam os procedimentos de responsabilidade dos municípios.

Porém, numa situação determinada em que o município deseja conduzir diretamente o procedimento de licenciamento de determinada atividade ou obra porque a vê como matéria de interesse local, ante a ausência de regulamentação por inércia do estado, poderá avocar essa competência para si.

A situação é alarmante, porque pode dar surgimento a discussões judiciais entre os próprios entes licenciadores, bem como os particulares envolvidos, e deve ser disciplinada com a máxima urgência.

De toda forma, quando fixada a competência, os entes de esferas diversas da competente podem manifestar-se no procedimento, sem efeito vinculativo, no entanto, restando recorrer ao judiciário em caso de irregularidade ou inobservância de regras por parte do licenciador.

Essa repartição de competências entre os entes licenciadores nas três esferas foi necessário em virtude de conter exigências de licenciamento em duplicidade, o que causava ônus excessivo aos interessados.

Na competência para fiscalizar o cumprimento das normas ambientais e a adequação da atividade/obra ao licenciamento, constatando eventuais infrações e autuando administrativamente os responsáveis, a precedência é do órgão licenciador. Assim, se a atividade/obra foi licenciada pelo IBAMA, nos termos da lei complementar nº 140/2011, ele tem a prioridade na fiscalização e lavratura do auto de infração.

No entanto, como a competência para fiscalizar também é comum entre União, Estados e Municípios, os outros entes federativos podem fiscalizar e aplicar penalidades. Porém, se isso acontece, ou seja, se uma infração é constatada por outro ente que não o ente que licenciou o empreendimento, ao lavrar o auto de infração, ele deve comunicar a ocorrência ao órgão licenciador. Esse, se entender necessário, poderá enviar seu próprio fiscal, para verificar a infração e a autuação. Nessa situação, se o fiscal do órgão licenciador também aplicar sanção, fica valendo esta e a do órgão fiscalizador (mas não licenciador) ficará sem efeito, porque ninguém pode sofrer dupla sanção de mesma natureza pelo mesmo ato (non bis in idem). Se, no entanto, o órgão licenciador entender que a infração está bem caracterizada e a penalidade adequadamente aplicada, poderá ficar inerte, situação em que a autuação do órgão fiscalizador (mas não licenciador) cumpre todos os seus efeitos. Assim, se o empreendimento foi licenciado pelo IBAMA, mas o agente fiscalizador que constatou a infração foi um fiscal da prefeitura do município, o órgão municipal comunica o IBAMA, que pode mandar seu próprio fiscal para verificar e aplicar autuação – nesse caso, a autuação da prefeitura ficará sem valor - ou, se entender que está tudo corretamente aplicado, não toma outras providências, o que faz com que a autuação feita pela prefeitura continue válida.
Portanto, se um empreendimento sofrer dupla penalização, por entes federativos distintos, pelo mesmo ato, deverá cumprir a aplicada pelo órgão licenciador.

Registre-se, finalmente, que tanto os órgãos licenciadores em suas exigências, quando os órgãos fiscalizadores em suas ações devem obedecer aos princípios do direito administrativo (LIMPE), sem extrapolar suas atribuições e sem desviar-se do regular poder de polícia. Mas esse já é outro assunto...


ÓRGÃOS ESTADUAIS AMBIENTAIS

ESTADO
ÓRGÃO
Acre
Instituto de Meio Ambiente do Acre (Imac)
Alagoas
Instituto do Meio Ambiente (Ima)
Amapá
Secretaria de Estado do Meio Ambiente (Sema)
Amazonas
Instituto de Proteção Ambiental do Amazonas (Ipaam)
Bahia
Instituto do Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Inema)
Ceará
Superintendência Estadual do Meio Ambiente (Semace)
Distrito Federal
Instituto Brasília Ambiental (Ibram)
Espírito Santo
Secretaria de Estado de Meio Ambiente e de Recursos Hídricos (Seama)
Instituto Estadual de Meio Ambiente (Iema)
Goiás
Agência Goiana do Meio Ambiente (Agma)
Maranhão
Governo do Estado do Maranhão (SEMA)
Mato Grosso
Secretaria de Estado do Meio Ambiente (Sema)
Mato Grosso do Sul
Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Sema)
Minas Gerais
Fundação Estadual do Meio Ambiente (Feam)
Pará
Secretaria Executiva de Ciência, Tecnologia e Meio Ambiente (Sectam)
Paraiba
Superintendência do Meio Ambiente (Sudema)
Paraná
Instituto Ambiental do Paraná (Iap)
Pernambuco
Agência Estadual de Meio Ambiente e Recursos Hídricos (CPRH)
Piauí
Secretaria do Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Semar)
Rio de Janeiro
Instituto Estadual do Ambiente (Inea)
Rio Grande do Norte
Instituto de Desenvolvimento Econômico e Meio Ambiente do RN (Idema)
Rio Grande do Sul
Fundação Estadual de Proteção Ambiental Henrique Luis Roessler (Fepam)
Rondônia
Secretaria de Estado do Desenvolvimento Ambiental (Sedam)
Roraima
Fundação Estadual de Meio Ambiente Ciência e Tecnologia (Femact)
Santa Catarina
Fundação do Meio Ambiente (Fatma)
São Paulo
Secretaria de Estado de Meio Ambiente (Sema) Companhia de Tecnologia de Saneamento Ambiental (Cetesb) Departamento de Avaliação de Impacto Ambiental (Daia)
Sergipe
Administração Estadual do Meio Ambiente (Adema)
Tocantins
Instituto Natureza do Estado do Tocantins (Naturatins)

 

 



[1] Doutora pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo; Mestra pela Universidade Metodista de Piracicaba; Especialista pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas. Professora Adjunta do Instituto de Ciência e Tecnologia da Universidade Federal de Alfenas. Advogada.