“SABE COM QUEM ESTÁ FALANDO?”
Essa é mais uma daquelas que
costumo classificar como “história de encantar brasileiro”...
Em um momento em que toda a nação
aguarda se os próximos passos do governo federal passarão pela chicana de criar
ou atribuir um Ministério de Estado a um ex-presidente da República, em afronta
ao princípio da impessoalidade – entre outros, a desafiar novas medidas
judiciais por parte do Ministério Público ou mesmo de cidadãos em ação popular,
foi noticiada ontem uma conduta similar do prefeito do Rio de Janeiro.
A similaridade está no fato de
que os gestores públicos no país são, em geral, despreparados para a função,
pessoalizando e subjetivando seus atos, sem noção de que encarnam uma
instituição, que é maior que as pessoas que ocupam os cargos administrativos.
Há poucos dias, compartilhei a
lição do Professor Vladimir Passos, que se encerrava da seguinte forma: "Assim,
os administradores, seja qual for o nível ou o Poder de Estado a que pertençam,
devem se acautelar na condução de seus atos, pois, em boa hora, ficou para trás
o tempo do ‘manda quem pode, obedece quem tem juízo’”.
Matéria publicada no jornal O Estado
de São Paulo, relata que o filho de 11 anos de idade do prefeito do Rio de
Janeiro, senhor Eduardo Paes, necessitou de atendimento médico após um acidente
em uma partida de hóquei. Encontrando fila de espera muito grande em um
hospital particular, o senhor prefeito teria orientado a senhora primeira-dama
a encaminhar-se para um hospital público municipal, na Barra da Tijuca, para
onde também se dirigiu a citada autoridade. A partir daí, o jornal relata que
testemunhas presentes afirmam que o prefeito teria se queixado da demora no
atendimento com a médica, que solicitou documentos para a abertura do
prontuário. Nesse momento, o prefeito teria, segundo o noticiado, sacado o
velho e ultrapassado você sabe com quem
está falando??? Tendo ele mesmo respondido: Sou seu patrão! O que iniciou um bate-boca, que resultou com uma
profissional chorando e populares saindo em sua defesa, pois “a médica estava
atendendo uma senhora idosa e pediu que o prefeito esperasse um minutinho”. A
intervenção dos populares fez com que o prefeito se afastasse e não fosse mais
visto.
Indagado sobre os fatos, no dia
seguinte, em um compromisso público, afirmou que apenas havia dito para a
médica que “ela tinha de ter uma postura de mais atenção; que ela não dá
atenção aos pacientes e isso eu não vou aceitar na minha rede.” E disse que iria reclamar da médica como cidadão e
como patrão.
Bem, sem contar o retrógrado,
ultrapassado, piegas e ilegal você sabe
com quem está falando? (isso me lembra uma fala do Prof. Cortella...), onde
estão os sintomas do despreparo do administrador público, que se repete por
esse Brasil a fora, nos três níveis de governo? Na apropriação do status de patrão pelo administrador
público. Nenhum chefe do executivo é patrão
de ninguém. Pode ser chefe. Mas o patrão do servidor público é o ente público
que o contrata, no caso, o município do Rio de Janeiro, representado pelo
prefeito, é claro. Mas município e chefe do executivo municipal não se
confundem. O município fica, o prefeito passa.
E a rede de saúde pública também não
pode ser entendida como minha rede
pelo administrador, porque, é claro, não lhe pertence...
O administrador público anda muito
esquecido dos deveres mais básicos que a lei lhe impõe: oportunidade e
conveniência do ato para a coletividade. Todo ato administrativo deve ser
motivado. Existe um folclore de que se o ato é discricionário, o administrador pode fazer o que bem entender...
ledo engano. Uma aula rápida e básica de direito administrativo resolve isso em
dois tempos. Mesmos os atos discricionários encontram limite na lei. O poder
discricionário apenas dá ao administrador o poder de escolher entre opções já
listadas pela lei – e não tirar qualquer coisa da cartola! – e, nesse caso, tem
que motivar porque escolheu a que escolheu em detrimento das demais,
demonstrando a oportunidade e a conveniência de sua decisão a bem da coletividade.
É claro que a conduta do prefeito não
configura a prática de nenhum ato administrativo. Estava no hospital em caráter
pessoal e não funcional. Mas sua reação e suas palavras, se verdadeiras,
mostram como se passam essas confusões, inaceitáveis nos dias de hoje, na
cabeça de muitos administradores.
Depois se queixam de que o Ministério
Público não os deixa trabalhar...
Como professora de direito, fico
fazendo o mea culpa: como estamos
preparando os profissionais que vão para as procuradorias municipais, em
especial?