quarta-feira, 16 de março de 2016

SABE COM QUEM ESTÁ FALANDO???

“SABE COM QUEM ESTÁ FALANDO?”

Essa é mais uma daquelas que costumo classificar como “história de encantar brasileiro”...

Em um momento em que toda a nação aguarda se os próximos passos do governo federal passarão pela chicana de criar ou atribuir um Ministério de Estado a um ex-presidente da República, em afronta ao princípio da impessoalidade – entre outros, a desafiar novas medidas judiciais por parte do Ministério Público ou mesmo de cidadãos em ação popular, foi noticiada ontem uma conduta similar do prefeito do Rio de Janeiro.
A similaridade está no fato de que os gestores públicos no país são, em geral, despreparados para a função, pessoalizando e subjetivando seus atos, sem noção de que encarnam uma instituição, que é maior que as pessoas que ocupam os cargos administrativos.
Há poucos dias, compartilhei a lição do Professor Vladimir Passos, que se encerrava da seguinte forma: "Assim, os administradores, seja qual for o nível ou o Poder de Estado a que pertençam, devem se acautelar na condução de seus atos, pois, em boa hora, ficou para trás o tempo do ‘manda quem pode, obedece quem tem juízo’”.
Matéria publicada no jornal O Estado de São Paulo, relata que o filho de 11 anos de idade do prefeito do Rio de Janeiro, senhor Eduardo Paes, necessitou de atendimento médico após um acidente em uma partida de hóquei. Encontrando fila de espera muito grande em um hospital particular, o senhor prefeito teria orientado a senhora primeira-dama a encaminhar-se para um hospital público municipal, na Barra da Tijuca, para onde também se dirigiu a citada autoridade. A partir daí, o jornal relata que testemunhas presentes afirmam que o prefeito teria se queixado da demora no atendimento com a médica, que solicitou documentos para a abertura do prontuário. Nesse momento, o prefeito teria, segundo o noticiado, sacado o velho e ultrapassado você sabe com quem está falando??? Tendo ele mesmo respondido: Sou seu patrão! O que iniciou um bate-boca, que resultou com uma profissional chorando e populares saindo em sua defesa, pois “a médica estava atendendo uma senhora idosa e pediu que o prefeito esperasse um minutinho”. A intervenção dos populares fez com que o prefeito se afastasse e não fosse mais visto.
Indagado sobre os fatos, no dia seguinte, em um compromisso público, afirmou que apenas havia dito para a médica que “ela tinha de ter uma postura de mais atenção; que ela não dá atenção aos pacientes e isso eu não vou aceitar na minha rede.” E disse que iria reclamar da médica como cidadão e como patrão.
Bem, sem contar o retrógrado, ultrapassado, piegas e ilegal você sabe com quem está falando? (isso me lembra uma fala do Prof. Cortella...), onde estão os sintomas do despreparo do administrador público, que se repete por esse Brasil a fora, nos três níveis de governo? Na apropriação do status de patrão pelo administrador público. Nenhum chefe do executivo é patrão de ninguém. Pode ser chefe. Mas o patrão do servidor público é o ente público que o contrata, no caso, o município do Rio de Janeiro, representado pelo prefeito, é claro. Mas município e chefe do executivo municipal não se confundem. O município fica, o prefeito passa.
E a rede de saúde pública também não pode ser entendida como minha rede pelo administrador, porque, é claro, não lhe pertence...
O administrador público anda muito esquecido dos deveres mais básicos que a lei lhe impõe: oportunidade e conveniência do ato para a coletividade. Todo ato administrativo deve ser motivado. Existe um folclore de que se o ato é discricionário, o administrador pode fazer o que bem entender... ledo engano. Uma aula rápida e básica de direito administrativo resolve isso em dois tempos. Mesmos os atos discricionários encontram limite na lei. O poder discricionário apenas dá ao administrador o poder de escolher entre opções já listadas pela lei – e não tirar qualquer coisa da cartola! – e, nesse caso, tem que motivar porque escolheu a que escolheu em detrimento das demais, demonstrando a oportunidade e a conveniência de sua decisão a bem da coletividade.
É claro que a conduta do prefeito não configura a prática de nenhum ato administrativo. Estava no hospital em caráter pessoal e não funcional. Mas sua reação e suas palavras, se verdadeiras, mostram como se passam essas confusões, inaceitáveis nos dias de hoje, na cabeça de muitos administradores.
Depois se queixam de que o Ministério Público não os deixa trabalhar...
Como professora de direito, fico fazendo o mea culpa: como estamos preparando os profissionais que vão para as procuradorias municipais, em especial?